Despatologização do gênero: a politização das identidades abjetas


 

Berenice Bento

Larissa Pelúcio

 

“Você usa rosa ou você usa azul? Você tem pinto ou você tem buceta? Você usa shorts e fica brincando de Homem-Aranha ou você tem que ficar penteando o cabelo de  uma Barbie? Cada ser humano tem as suas verdades, tem as coisas as quais tem que buscar e realizar. Alguns seres simplesmente têm uma incompatibilidade sexual com o corpo, Isso não é uma transformação, isso é um fato. Você nasceu mulher,  mas você é um homem. Aí você se pega tendo que fazer da sua vida uma transformação inteira porque todo mundo quer que seja.”

Daniela Glamour Garcia, depoimento à Camila BIAU, 2011.

 

Daniela Glamour Garcia olha para a câmera com olhos inquietos. Está visivelmente sensibilizada pelos meses em  que  esteve  protagonizando um  documentário sobre identidades sexuais a partir de uma perspectiva queer. Dani, como gosta de ser chamada, se sente incompreendida, mas nunca doente, patologizável, curável. Daniela gostaria de não ter de pensar o tempo todo em sua sexualidade, em seu corpo, em seus desejos. Participar do documentário Além das sete cores, dirigido por Camila Biau, tornou essas reflexões prementes, presentes e um tanto opressivas. Daniela, que inicia as filmagens coreografando passos pela Rua Augusta, no coração da capital paulista, mas chega ao final do filme visivelmente sensibilizada. Sua última fala registra sua busca por termos de identificação que possam tornar sua vida habitável, fora dos referentes patologizantes e psicologizantes hoje disponíveis. Naquela última cena, Dani parece estar cansada dessa luta; talvez por isso, ao fim de sua participação no documentário, tenha iniciado o processo transexualizador, oferecido pelo Hospital das Clínicas, em São Paulo. Foi buscar nos discursos médicos e psi (referentes à psicanálise, psicologia e psiquiatria) os termos de sua busca por inteligibilidade.

A história de Daniela Garcia nos ajuda a iniciar a discussão que alicerça este artigo: apresentar e discutir algumas iniciativas da campanha internacional pela despatologização das identidades sexuais; fazer uma leitura dos manuais médicos e psiquiátricos que incorporam o gênero como uma categoria diagnóstica; e, por fim, apresentar argumentos pelo fim do diagnóstico de gênero.

Começamos pelas questões necessárias: como o gênero tornou-se uma categoria diagnóstica? Quais as consequências desse processo para pessoas que, como Daniela, questionam com sua experiência os binarismos de macho/fêmea, homem/mulher, cultura/ natura e, por consequência, desafiam as classificações patologizantes das sexualidades que estão em desacordo com a norma heterossexual? Mais que resposta a essas perguntas, buscamos oferecer elementos que permitam às leitoras e aos leitores dimensionar o peso dos discursos que constituíram certas existências como “anormais”, estabelecendo modelos de suposta coerência entre sexo biológico e gênero cultural como marco de normalidade e saúde. Iniciamos, então, apresentando alguns desses momentos de inflexão na construção desses discursos e nos esforços universalizantes empreendidos por determinadas áreas de saber para a consolidação de verdades sobre os corpos, os gêneros e os desejos.

 

Para ler o artigo completo, acesse:

https://www.scielo.br/j/ref/a/GYT43pHGkS6qL5XSQpDjrqj/?format=pdf&lang=pt

Imagem da capa: cena de “Além das 7 Cores, um documentário queer“. BIAU, Camila, 2011. 


Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.