A infância é um luxo
“O objetivo desse artigo é construir conexões entre as mortes das crianças palestinas pelo Estado de Israel e as crianças negras brasileiras durante a escravidão. Embora em contextos históricos e geográficos distintos a autorização para matar está na negação sistemática do reconhecimento da infância. Ainda que possam parecer duas experiências distintas, sugiro que a compreensão ontológica que mapeia o olhar do Estado brasileiro e dos sionistas tem no colonialismo europeu o tronco em comum. As noções de raça superior em relação aos nativos da terra estão espalhadas nos textos dos primeiros sionistas. Da mesma forma, podemos sugerir que o genocídio da população negra no Brasil segue a tradição dos quase 400 anos de colonialismo e escravidão. Se é verdade que não podemos falar de “infância escravizada”, uma vez que a escravidão retirava qualquer possibilidade de proteção, também podemos notar uma linha de continuidade desse passado no presente, quando se nota que são as crianças e os adolescentes negros são executados pelo Estado. Da Palestina às favelas brasileiras, a infância, como um atributo natural dos corpos que precisam de proteção diferenciada pela vulnerabilidade, não existe. Portanto, ter um corpo reconhecido como merecedor de cuidados singulares e proteção legal, não é algo substantivado. Ao contrário, em contextos de políticas de produção continuidade da morte, ter direito a infância torna-se uma excepcionalidade, um luxo.”