Das lembranças que pesam
Faço a lista das lembranças,
Cada nome, uma lembrança,
A mala já está quase pronta.
Eu tinha feito um acordo comigo: nada de lembranças,
Elas pesam, ocupam espaço.
Não vou cumprir o acordo feito,
Lembranças, vou levá-las.
Entro e saio de lojinhas na Alfama.
Não faço apenas compras,
Estou ritualizando minha partida.
Aviso ao meu corpo e alma: estamos voltando para casa.
Paro em algum café em Lisboa,
Faço o apanhado geral.
Repouso o lápis. Fecho os olhos.
Vejo a Berenice deslocando-se em sua casa,
Preparando o café e brincando com o cachorro.
Ela dirige-se para o pomar.
Julho é frio e seco no cerrado.
Saudades da Berenice.
Ela terá que se a ver com o vulcão que a habita agora.
Talvez o cerrado a acalme.
Descobriu-se tardiamente colonizada.
Não é sangue que percorre suas veias,
São lavas incandescentes.
Lembra-se que falta pouco para reencontrar-se,
A Berenice, contudo, já está perdida.
Não haverá reencontros.
Desperto e olho para o garçom com sua cara de fado.
Ele não sabe que eu sei que essa terra está morrendo de tristeza.
Ao tentar compensar a arrogância europeia que os despreza,
Por sua falta de brancura,
Por sua falta de civilidade,
Portugal tenta fazer-se europeu às nossas custas: entram para grande família europeu pelo racismo.
Essa lembrança pesa.
Lisboa, 10 de julho de 2023.