Lutamos pela vida!
Berenice Bento
(Lançamento do vídeo Clip “Cumbia Palestina” – disponível no canal da CLACSO, 15/12/2020)
Cena 1:
Com os olhos em súplicas voltados para o céu, a mulher abraça a oliveira. Clama pela vida daquela árvore que lhe dera os frutos mais saborosos, as sombras mais amenas e que acompanhou a memória da família e do vilarejo por tempos já esquecidos. Viu a barriga da mulher crescendo, a criança tornando-se adulto.
O clamor da mulher não cessa: não a mate, por favor, não a mate.
Como a rainha malvada de Alice no País das Maravilhas, o soldado israelense dá a ordem final: Corte-a!
Poucos minutos depois, as vísceras da oliveira já estavam expostas.
O cheiro das raízes, misturada com a terra, os gritos da mulher que seguia abraçando-a…
Cena 2:
Não há grito. Não há choro. Uma indígena olha o rio coberto de lama. Sussurra entre os dentes: o rio está morrendo. Como iremos viver? Nós também vamos morrer. E segue com os olhos incrédulos a voracidade das águas da represa que estourou e levou à morte peixes, gente, árvores.
Em algum vilarejo palestino, agora, outras mulheres choram pela vida das oliveiras. Em algum lugar das nossas Américas, algum rio deve estar sendo morto. E aqui estamos nós, pessoas que não se conhecem, mas unidas em torno da vida, inspiradas que somos por existências que negam a ceder ao desejo de morte. Indignando-nos.
A minha indignação é o que me mantem viva e talvez seja o mesmo afeto que atravessa muitos e muitas aqui presente, a indignação. Mas não a quero taciturna, triste, de testa franzida. Eu quero um samba bem sincopado para declarar à mulher da oliveira ou a mulher-oliveira, que o seu desejo de vida, me constitui nesse mundo, me inspira a seguir.
Quando perseveramos juntos em nossa indignação, cantando e expondo nossos corpos nas ruas, estamos fazendo uma comunhão. A música, a arte, faz a vida prosperar. Talvez o que separa o mundo dos ressentidos dos que lutam por justiça seja esta disposição para, apesar das mazelas impostas pelos opressores, seguir teimando na vontade de fazer a vida florescer. Ninguém floresce com ressentimento, no ressentimento.
Chomsky conta que sempre lhe impressionou a determinação serena do povo palestino. Mesmo diante das maiores atrocidades cometidas pelo Estado de Israel não ouviu, em suas inúmeras viagens, uma única palavra sobre retaliação ou vingança. A mesma sensação eu tive nas duas viagens que fiz à Palestina. Eu me perguntava quase desesperadamente: “Meu Deus, como este povo suporta?”
A resposta vinha de muitas maneiras, mas sempre acompanhada de um chá quente.
Para terminar gostaria e ler a letra de uma samba, chamado Samba da Utopia, de Jonataham Silva
Se o mundo ficar pesado
Eu vou pedir emprestado
A palavra poesia
Se o mundo emburrecer
Eu vou rezar pra chover
Palavra sabedoria
Se o mundo andar pra trás
Vou escrever num cartaz
A palavra rebeldia
Se a gente desanimar
Eu vou colher no pomar
A palavra teimosia
Se acontecer afinal
De entrar em nosso quintal
A palavra tirania
Pegue o tambor e o ganzá
Vamos pra rua gritar
A palavra utopia
E hoje, nossa utopia (ou nossa pedrada) vem em forma de Cumbia,
Cumbia Palestina.
Muito obrigada.